quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Naquele Grupo Escolar

Corria o ano de 1975, o diretor Luis da Silva Santos, com seu inconfundível sino de mão, anunciava o início de mais um ano letivo, naquela tarde quente de fevereiro ou março, quando a televisão ainda não perturbava o silêncio dos poucos moradores que circundavam o famoso Grupo Escolar Osvaldo Cruz, marca indelével de boa educação.
A balbúrdia de dezenas de meninos e meninas, com seus Congas Azuis, enfileirados sob o sol escaldante - eram 13 horas - prenunciava que aquele diretor teria mais um ano de muito trabalho e intensa atividade, o que, aliás, lhe renderia, naquele e nos vindouros anos, uma cabeleira, ou o que restou dela, esbranquiçada e rala, coisa que a Bíblia chama de cãs.
Imponente e bela, a catedral de Nossa Senhora da Conceição, assistia do alto o deslizar silencioso das águas barrentas do rio Madeira, correndo em direção ao Purizinho e outras paragens. A enorme imagem do Cristo crucificado, à entrada da Catedral, inspirava fé nos mais velhos e metia medo em muitos daqueles iniciantes na vida escolar, que mais tarde se acostumariam de qualquer jeito a ela.
Ali próximo, a intendência cuidava de sua rotina e da vida de pouco mais de 1.700 moradores da cidade. A maioria da população do município, estava radicada no interior. No coreto e com o suor escorrendo pelo rosto, alguns transeuntes recobravam o fôlego, antes de seguirem na caminhada, rumo aos seus interesses. Algumas sombrinhas coloridas indicavam que senhoras estavam à procura de fazendas e aviamentos, nas casas do ramo. Era preciso costurar para todos da casa.
No Patronato Maria Auxiliadora, as meninas com seu inconfundível uniforme de “x” nas costas, davam um tom de elegância e status àquele educandário, freqüentado só “por quem podia estudar no Patronato”, era o que diziam. Os meninos, por sua vez, já eram aceitos como alunos. O Patronato inicialmente, fora criado para hospedar e educar apenas moças.
O som estridente do sino do diretor Luis Santos, era o sinal claro de que se pedia silêncio e ordem nas filas, condição para o canto do Hino Nacional e avisos de interesse coletivo. À ordem do diretor uma a uma, as filas se desfaziam rumo às salas, pela ordem. O 1º. ano primário – ali onde estávamos, saia primeiro. Estava na hora de conhecer, em uma das salas de baixo, o mundo dos livros. O primeiro deles, a Cartilha Caminho Suave.
Devidamente acomodados, os alunos do primeiro ano em suas carteiras de madeira, com lugar pra dois, ouviram pela primeira vez, a voz daquela, que dali por diante, seria a companhia diária e necessária da turminha. Firme em sua postura, mas, delicada como toda “querida professora”, nossa Mestra, Maria Inês Mariúba Marques, dava mais uma vez o tom inicial naquela orquestra que seria regida por ela, naquele ano de 1975, quando a Paranapanema S.A. e a Construtora Andrade Gutierrez S.A. ajudavam aos pais de muitos daqueles garotos e garotas, a peso de muito esforço e suor, levarem para a casa, o pão de cada dia.
Hoje, mais de 30 anos depois, reencontro minha professora Maria Inês, celebrando mais um aniversário. Marcada pela inexorável passagem do tempo, ainda conserva o ar de serenidade, mantém a velha postura de professora e seguramente, guarda em seu relicário, a lembrança de toda uma vida dedicada aos filhos de Humaitá.
Quantas lembranças, quantas recordações, quantas lágrimas, quanta alegria, decepções também há. A tristeza de ver seu primeiro colega de escola, morto a facadas anos depois, por um amigo seu, em uma festa no Chapéu de Palha. Era conhecido como “Vero”. Não me lembro mais do seu nome.
E assim a vida segue o seu curso. Com suas histórias, suas mentiras e suas verdades. Hoje contadas via e-mail, ao celular. Quem imaginaria isso àquela época. Era o “sofisticado” telex que aproximava as pessoas.
Com essas memórias, homenageio-a minha querida mestra Maria Inês. E em seu nome a todos os verdadeiramente professores e professoras que se dedicam a essa nobre causa. Aos canalhas, crápulas, baderneiros, arruaceiros e todos os demais que se disfarçam de professores, apenas para benefício próprio, o nosso repúdio.
E nessa homenagem, a manchete de capa, do jornal O Madeirense, que em sua edição nº. 011, de 12 de maio de 1918, assim abriu aquela edição histórica: “GRUPO ESCOLAR OSWALDO CRUZ – O povo humaythaense vai assistir no próximo dia 15 do corrente, a um dos espetáculos mais arrebatadores que o mundo pode offerecer. O mundo luminoso do pensamento: a inauguração de um grupo escolar, de um templo de resplandecimentos, onde se comprehende a belleza da vida, pela Bíblia do A,b,c. por uma coincidência que podemos classificar de maravilhosa, esse edifício destinado a espalhar lampejos de sol, terá suas portas abertas, precisamente no dia em que se comemora o anniversário da elevação de Humaythá, á cidade”.

Elias Pereira*


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